COMENTÁRIO
Esta é uma colectânea em que se reúnem textos bastante diversos do ponto de vista ideotemático e mesmo no que diz respeito aos níveis de leitura que possibilitam.
Se, em determinados poemas, a experiência lúdica, de inspiração tradicional, é fundacional, em outros a inspiração de raiz mais erudita é determinante.
No poema «Banquete em RR», por exemplo, o fundo humorístico e a configuração estilístico-estrutural – designadamente o carácter aliterativo – torna evidente a proximidade com os tradicionais travalínguas: «A rainha da Roménia / segue o rasto do repasto / que roda em roda da mesa: / pernas de rã, rabanetes, / robalinhos, couve roxa, / rosbife assado com molho, / rabanadas, rebuçados… / - Meus queridos convidados, / vá, não se façam rogados. / Com este vinho do Reno / ataquemos já a eito. / E Deus queira que no fim / nos conservemos direitos.»
Nesta obra, assistimos, igualmente, à poetização de temáticas como a infância (dos livros ou de um velho submarinho, por exemplo), o passado e a vivência do tempo, em geral, aqui reflectidos, logo na abertura, em «Onde vai o Tempo?», texto de onde sobressaem o passado e a dúvida face à sua fugacidade. Há, ainda, lugar para muitos olhares acerca da natureza, desse universo de que participam um jardim – ainda que um «jardim de palavras» feito de malmequeres, rododendros, prímulas, gardénias e dálias» («Jardim») –, um sobreiro dolorosamente nu («Agosto: um sobreiro»), um noctívago e ruidoso ralo que «ensurdece a noite» («Verão») ou um mágico jardineiro que «tem o dom da perfeição» e que Deus acolhe um dia «num lugar / onde cessam golpes e suores (…)» e «(…) Passam anjos carregados de tesouras, / de sachinhos, foices, regadores (…)» («O Jardineiro»).
Este é um livro forte e envolvente nas letras e nas imagens, um livro no qual as palavras e as ilustrações dialogam de um modo muito agradável e expressivo, um belo livro de poesia recomendável para todas as idades. | Sara Reis da Silva |
